domingo, setembro 26, 2010


As Aparências Enganam/ O peixe morre pela boca

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                No bairro da Inspiração, vivia isoladamente, um ávido observador chamado Marcelo. Sua vida era um tanto peculiar, pois morava sozinho na zona rural e ganhava a vida com suas monografias sobre os pássaros da região. Ele tinha dinheiro suficiente para ter uma vida equilibrada na zona urbana, porém, vivia na floresta por opção e por causa da raridade de aves daquela região. Em seu tempo livre, ele também atuava como locutor de rádio. Marcelo costumava sair de casa periodicamente, para espairecer e para sair com seus amigos.
                Ele observava os pássaros compulsivamente. Seu trabalho nunca foi cansativo, até porque, ele se divertia mais do que trabalhava, maravilhando-se com o poder de liberdade daqueles animais.
                Através de seu telescópio, ele via pela milésima vez um joão-de-barro construindo o seu ninho quando inesperadamente, sua campainha tocou. Marcelo não esperava ninguém, portanto, só poderia ser uma pessoa: a mais chata e insistente de todo o bairro.
                Marcelo abriu a porta e a figura de uma senhora baixinha com uma bolsa no ombro direito não o surpreendera nem um pouco, pois ele já esperava que fosse ela.
                - Dona Lúcia... Eu já disse que não quero cosméticos.
                - Mas eu trago novidades! - exclamou a mulher, que mesmo sem ser convidada, já havia entrado na casa - Deixe-me te mostrar meus novos produtos. Veja esse creme de ovelha!
                - Eu não estou interessado - disse Marcelo com sua característica paciência, enquanto via Dona Lúcia andando pela casa e olhando tudo ao seu redor.
                -Você conhece o Aguinaldo? – ela disse – Aqui está o cartão dele, ele conserta computadores, talvez você precise algum dia – continuou, colocando o cartão sobre a mesa – Ele costumava ser terrível com as mulheres, mas depois que comprou uma das minhas loções, logo conquistou minha filha e eles estão juntos até hoje!
                - Ótimo para eles, Dona Lúcia, mas eu não estou interessado em seus produtos.
                - Você tem uma ótima casa! - disse a senhora que logo após mais alguns passos, esbarrou-se no telescópio, mudando-o de posição.
                - Olha o que você fez! - disse Marcelo, enquanto deixava uma cadeira de pé, que também havia caído - Saia já da minha casa!
                - Tudo bem - ela disse, direcionando-se até a porta - Só fique sabendo que, se não usar meus produtos, ficará solteiro para sempre - continuou e retirou-se da casa.
                Marcelo fechou a porta e voltou para o seu telescópio com o intuito de retorná-lo a posição do joão-de-barro, porém, uma visão macabra o congelou por alguns minutos.
                Ao olhar através do telescópio naquele momento, podia-se ver a figura de um ser estranho, com o rosto extremamente pálido e paralisado como se não tivesse nenhum tipo de emoção ou sentimento. Tinha mais ou menos um metro de comprimento e o mais intrigante de tudo: Ele estava olhando diretamente para o telescópio como se ele e Marcelo estivessem se encarando olho-no-olho, mas isso era completamente impossível, pois o observador de pássaros estava há quase um quilômetro do local.
                Após recompor-se do calafrio que havia sentido ao presenciar tal cena, Marcelo pegou seu casaco, foi até a rua e correu em direção ao local para ter certeza do que acabara de ver. Ele desperdiçou duas horas na floresta, procurando pela tal aparição, mas não encontrou nada, nem uma pista sequer.
                Na volta para a casa, ele caminhou completamente distraído. A cena se repetia várias vezes em sua mente.
                O movimento da rua estava um tanto agitado, pois era 12 de outubro. O circo estava na cidade e era dia de apresentação. Também vale ressaltar que o bairro estava se preparando para receber uma banda de rock famosa que se apresentaria no dia 15.
                Marcelo estava decidido a falar sobre o acontecido no seu programa de rádio, porém, estava esperando por algo que o fizesse ter certeza daquela visão, pois se anunciasse sem uma confirmação, seu programa estaria correndo o risco de perder a credibilidade.
                Um dia após o vislumbre da figura repugnante de rosto paralisado, Marcelo saiu de casa para tentar pensar claramente, sentou-se no banco de uma praça e ficou olhando o trânsito. Minutos depois, uma de suas vizinhas que passava por ali, o reconheceu e também sentou-se no banco da praça.
                A vizinha se chamava Júlia. Eles não se falavam muito, mas ela era encantada pelo jeito misterioso e pelo profundo olhar de Marcelo. Ela o idealizava como um homem interessante e de poucas palavras.
                - Bom dia, vizinho – disse Júlia – Por que está olhando o trânsito?
                - Nenhum motivo aparente – Marcelo respondeu – Só tentando me distrair um pouco.
                - Eu também tenho precisado de um pouco de distração ultimamente.
                Marcelo percebeu certas segundas intenções nas palavras da moça.
                - Você não gostaria de ir ao cinema qualquer dia desses?
                - Claro! Seria ótimo – a moça respondeu. De fato, havia segundas intenções, além do mais, nem todas as aparências enganam.
                A conversa se prolongou. Eles marcaram a data e o horário. Júlia ainda estava sentada no banco conversando com Marcelo, quando um caminhão passou anunciando o horário das apresentações do circo. A parte de trás do caminhão estava aberta, de modo que podia-se ver várias pessoas dentro dele. Aparentemente, aquelas pessoas faziam parte das apresentações.
                O caminhão já estava a uma distância formidável quando Marcelo percebeu, olhando de longe para dentro dele, a mesma pessoa sem feições que havia visto na floresta!
                A criatura ainda estava com a mesma expressão congelada de sempre, porém, agora media no mínimo um metro e cinquenta. Mesmo de longe, ela novamente parecia estar encarando Marcelo.
                Quando ele pensou em se levantar do banco e correr, o caminhão já estava bem longe, fora do alcance e da vista de qualquer pessoa que estivesse na praça. Após a frustração de ver novamente aquela figura, Marcelo levantou-se, confirmou o encontro com a mulher e se despediu.
                O programa de rádio do Marcelo era ao vivo. Ele improvisava cada programa durante a sua execução, o que era a característica principal do show.
                Ao chegar em casa, ele não pensou duas vezes, esperou dar o horário do programa, foi até o seu estúdio e logo após as introduções do show, ele anunciou o acontecido e ainda denunciou o circo por estar mantendo uma criatura desconhecida em cativeiro.
                Marcelo não recebeu nenhuma queixa do dono do circo, na verdade, seu telefone tocara muito pouco naquele dia. A notícia se espalhou pelo bairro e uma pergunta polêmica surgiu naquela região: “O que era o ser desconhecido que o locutor tanto falava? Seria de fato, um segredo que o circo escondia ou seriam apenas alucinações de um homem que vivia muito tempo estudando dentro de casa?”.
                O caso só não se tornou famoso pelo resto da cidade, porque na época, a notícia predominante era a do Diego, o garoto desaparecido. Ninguém sabia do paradeiro dele. A família havia o deixado sozinho em casa, dormindo, como de costume, mas dessa vez, quando voltaram, o menino de seis anos havia desaparecido.
                A última visão de Marcelo o deixara ainda mais confuso. “Que tipo de criatura cresce tão rapidamente?” essa pergunta se repetia inúmeras vezes na cabeça dele. Ele passou um dia inteiro pesquisando nos seus livros de biologia da faculdade, tentando encontrar algo relacionado, mas não encontrou nada.
                No dia da apresentação da banda de rock, Marcelo e Júlia foram ao cinema. Eles estavam assistindo a uma comédia romântica e se conheceram melhor.
                - Nossa! Eu adoro esse filme! – exclamou Marcelo, sentado na cadeira.
                - Eu ainda não assisti. – Júlia comentou.
                - É muito legal... O protagonista é preso no fim! – disse Marcelo enquanto assistia ao filme – Olha esse garoto! Ele vai ser sequestrado! Nossa! Ótima ideia vir aqui... Isso realmente me distrai.
                Marcelo não parava de falar, mesmo com as reclamações de algumas pessoas que estavam por perto. Júlia ficou impressionada com a atitude inesperada do rapaz.
                Ele, de fato, era um homem de postura misteriosa e olhar profundo, mas sua aparência não fazia jus a sua personalidade; ele, na verdade, era falastrão e inquieto. As expectativas de Júlia se tornaram decepções.
                Antes de o filme acabar, Marcelo já havia narrado todas as cenas, no mínimo, três vezes. Eles haviam combinado em ir para o show de rock depois do cinema, mas Júlia fingiu que estava com dor de cabeça e o despistou.
                Ele estranhou o fato de que, a própria mulher demonstrara interesse nele, mas que nada havia acontecido no encontro; porém, minutos depois de se despedirem, Marcelo consolou-se com o pensamento “É difícil entender as mulheres”.
                 Então, ele decidiu voltar para a sua casa e relaxar um pouco. Quando chegou, sentou-se no sofá e passou a imaginar o que aconteceria se visse aquele ser mais de perto... “Eu poderia ficar rico” ele pensava.
                Marcelo não queria ir diretamente ao circo, checar as apresentações e procurar a criatura porque tinha medo da ira dos funcionários, uma vez que ele os acusou sem prova concreta; porém, ele tinha alguns informantes procurando por pistas no local, mas até o momento, não haviam achado nada que comprovasse sequer a existência da criatura. Seria então, só a imaginação fértil do rapaz que estava criando tudo aquilo?
                Diante do tédio de ficar sozinho em casa, Marcelo pegou seu notebook para checar seus emails, porém o aparelho não havia ligado. Ele tentou alguns procedimentos que havia aprendido, mas nenhum deles funcionou, então, lembrou-se do cartão que Dona Lúcia lhe entregara e ligou para o técnico de computadores.
                Aguinaldo chegou em menos de trinta minutos, afinal, eles moravam no mesmo bairro.
                - Ei, o senhor é o locutor de rádio, não é? – Aguinaldo perguntou, enquanto mexia no notebook.
                - Sim. – disse Marcelo, um tanto impressionado – Não é muito comum reconhecer locutores de rádio pelo rosto...
                - Fiquei curioso uma vez e procurei por suas fotos na internet – Aguinaldo explicou – Eu gostava do seu programa, mas parei de ouvir depois que você começou a anunciar aquela maluquice de monstro da floresta que foi parar no circo.
                - Obrigado pela sinceridade.
                - Bom, parece que vai demorar um pouco – comentou Aguinaldo, enquanto examinava o aparelho.
                - Ótimo, eu precisava mesmo de alguém para conversar – disse Marcelo – Quer tomar um pouco de vinho? – continuou, já segurando uma garrafa de bebida.
                - Claro.
                Em menos de uma hora, os dois juntos haviam bebido seis garrafas de vinho. O notebook estava jogado no chão e ambos estavam na janela, olhando a paisagem e conversando sobre os assuntos mais inconvenientes possíveis.
                - Minha sogra é um demônio! – comentou Aguinaldo, extremamente bêbado – Se faz de santa pra todo mundo, mas ela me persegue o tempo inteiro! Você acha que ela distribui meus cartões por aí só por gentileza? Claro que não! Ela faz isso porque quer me ver trabalhando vinte e quatro horas por dia.
                - Essas muléres de hoje em dia só existem para nos perseguir! – comentou Marcelo, também muito afastado da sobriedade – É tudo um complô! Todas viraram lésbicas e agora querem nos perseguir, nos deixando deprimidos!
                - Muléres ou mulheres?
                - Os dois tipos, cara. Eu odeio os dois tipos!
                - É um telescópio ali pendurado na outra janela?
                - Sim! – Marcelo exclamou – Pode-se ver toda a floresta através dele!
                - Deixa eu tentar... Cara, eu acho melhor a gente parar de beber – disse Aguinaldo, após ter uma visão improvável na floresta, olhando pelo telescópio. – Tem alguém caído na floresta! Veja!
                Marcelo rapidamente olhou no telescópio e viu a criatura caída no chão da floresta. Ele não hesitou e correu até o local de onde ela estava; Aguinaldo o seguiu. Depois de ouvirem várias buzinadas dos carros e quase serem atropelados por atravessarem a rua apressadamente, eles chegaram na floresta e logo encontraram o que procuravam.
                O que Marcelo julgava um “monstro” estava caído no chão, aparentemente dormindo de lado. Ele estava com o mesmo tamanho de quando foi visto pela primeira vez.
                Quando os dois bebuns chegaram mais perto, ele acordou, levantou-se e deu passos para trás como sinal de medo. Aguinaldo, porém, conseguiu alcançá-lo andando vagarosamente, demonstrando não ter interesse em machucá-lo.
Ao segurá-lo, um forte clima de decepção despertou na cena. Aguinaldo retirou a máscara do garoto, revelando um rosto branco de olhos azuis, lindo e cheio de expressões. Tudo não passou de um mistério criado pela cabeça de Marcelo, um rapaz que precisava desesperadamente de uma mudança brusca em sua rotina.
O garoto encontrado se tratava de Diego, o menino desaparecido. A polícia e a mãe agradeceram encarecidamente aos dois rapazes que o encontraram; porém, o circo deixou Marcelo transbordando de processos, afinal, ele havia feito várias acusações sem uma prova sequer!
Marcelo não viu dentro do caminhão a mesma criatura que havia visto na floresta. Eram apenas duas pessoas diferentes usando a mesma máscara. As aparências o enganaram e ele pagou por acusar alguém sem provas.
Nem tudo é o que parece, mas nem sempre as aparências enganam; portanto, o que nos resta é não criar expectativas, porque no fim, elas podem se transformar em decepções.

4 comentários:

Vívian Thaís Rascunheba de Andrade disse...

- Muléres ou Mulheres?
- Os dois tipos, cara. Eu odeio os dois tipos!

UHASHUASAUHSUHSAUHASH eu ri d+!!!

mto bom \o/\o/

luukmarcondes disse...

cada vez melhor \o/ BÓORAA JONAS!! =]

Unknown disse...

meu friend, futuro escritor famoso *-*
Perfeito irmao s2
By: Camila Emanuele

Isabela disse...

Poxa! Tadinho de Marcelo
hahahahahhahahaha'
cheio de processo.
O conto está bem elaborado *-*

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