segunda-feira, setembro 06, 2010


Água mole, pedra dura. Tanto bate até que fura.

8
 Um homem alto de postura firme e de bom humor morava no Bairro da Inspiração. Seu nome era Aguinaldo. Gostava de sair de casa para espairecer, farrear e às vezes, inspirar-se, apesar de que seu trabalho não se relacionava com isso. Aguinaldo instalava e consertava computadores, tanto para a vizinhança, quanto para uma determinada empresa.
 Ele saía para o trabalho todos os dias às 06:00h e retornava à sua casa por volta das 15:00h. Não almoçava lá, pois vivia sozinho, portanto, sempre passava na Lanchonete das Dores ou no Restaurante dos Prazeres para lanchar ou almoçar.
 Todos os dias, ele se deparava com uma vendedora de cosméticos, extremamente insistente. Seu nome era Lúcia e ela estava na porta de sua casa praticamente todos os dias, oferecendo-lhe cosméticos e produtos de beleza. Ele nunca sequer deu esperanças de que fosse comprar, na verdade nunca havia comprado um produto dela, mas mesmo assim, ela o visitava todos os dias.
 Em um dia do mês de setembro, Aguinaldo voltava do trabalho andando – como sempre, já que a sua casa não era muito distante de onde trabalhava – e passou na Lanchonete das Dores para lanchar.
 A Lanchonete não era um lugar muito rotineiro, eles sempre levavam novidades aos seus fregueses, tanto no cardápio, quanto na decoração. Enfim, dessa vez, havia entrado uma nova garçonete chamada Madalena. Ela era ruiva, alta e tinha certo olhar misterioso, apesar de gostar muito de conversar.
 Muitos dos leitores podem não acreditar em amor à primeira vista, mas foi o que aconteceu. Apenas ao vislumbre do rosto delicado da nova garçonete, o coração de Aguinaldo bateu tão forte que parecia querer sair ao encontro da moça.
 O técnico em informática, com toda a ansiedade típica de um novo amor, chamou a garçonete um pouco desengonçado. Percebendo o seu chamado, ela dirigiu-se até ele.
- Bom dia, senhor. – ela disse, com sorrisos entre as frases – Qual será o seu pedido?
- Eu gostaria de um hambúrguer, por favor – disse Aguinaldo – Também um copo de suco de maracujá.
- Só isso? – ela disse, após anotar o pedido em seu caderno.
- Também gostaria do seu telefone... – ele tentou.
- Bom. O telefone da lanchonete é...
- Não! – ele exclamou – Eu quero o seu telefone.
- Não posso lhe servir isso, senhor – ela disse, com um certo tom sarcástico, mas nunca perdendo o sorriso entre os finais das frases. Logo após terminar de falar, ela virou-se e foi até o balcão.
 Aguinaldo, visivelmente decepcionado, esperou ela voltar com seu lanche. A demora levou alguns minutos.
- Aqui está o seu pedido, senhor – ela disse, colocando a bandeja com hambúrguer e suco em cima da mesa.
- Mas tem algo faltando. – Aguinaldo disse. – E você sabe o que é.
- Não vou te dar o meu número – ela retrucou, perdendo a sua feição cheia de sorrisos – E eu não vou repetir isso.
- Ok, me desculpe – ele disse, compreensivelmente. – Meu nome é Aguinaldo, eu sou um cliente antigo daqui – continuou – Eu estou realmente...
- Eu tenho namorado! – ela exclamou, mostrando o anel em seu dedo da mão direita.
 Após tal exclamação, Aguinaldo não falou mais, apenas comeu o seu lanche e saiu de lá, em direção à sua casa.
 Segundos depois de ter chegado, a campainha dele tocou, mas como já sabia que se tratava de Dona Lúcia, simplesmente deixou que ela tocasse e foi se deitar.
 Depois desse dia, a vida de Aguinaldo parecia fazer mais sentido. Agora ele não era mais um solteirão desleixado que só trabalhava e farreava com os amigos. Ele sentiu a necessidade de um compromisso e estava disposto a dar tudo de si para conquistar Madalena.
 Um novo costume foi adicionado à rotina dele. Agora, todos os dias, ele fazia questão de passar na Lanchonete das Dores, apenas para ter aquela amável visão da única mulher que conseguiu fazer com que ele se interessasse em compreender melhor o comportamento humano e não só o dos computadores.
 Já no fim de setembro, Madalena não foi ao trabalho por dois dias. Logo a preocupação de Aguinaldo foi abalada. Ele procurou informações com o gerente, que era um bom amigo seu, porém, não conseguiu muita coisa. O gerente disse que eram “motivos pessoais”.
 Para a alegria do nosso amigo apaixonado, dois dias depois, lá estava ela novamente na Lanchonete. Madalena estava triste e para Aguinaldo, ainda era mais triste vê-la forçando sorrisos para falar com os clientes. Ela também já não estava usando o anel que havia mostrado.
 Todas as outras conversas entre os dois, foram tentativas más sucedidas de Aguinaldo para conseguir o telefone da moça, mas ela sempre o negava e respondia grosseiramente. Dessa vez, ele viu a oportunidade de um assunto e não hesitou em chamar a garçonete.
- O que aconteceu?! – ele perguntou.
- Terminei com o namorado.
- Nossa – ele disse, fingindo estar comovido com a notícia – Por que?
- Eu o peguei aos beijos com outra!
- Que idiota – ele comentou – Então...
- Não, eu não vou te dar meu telefone. – ela o antecipou, friamente.
- Se você me der uma chance, eu vou te provar que nós nascemos para ficarmos juntos.
- Se você me der alguns minutos, eu vou me lembrar em que caminhão eu vi essa frase... – ela novamente o respondeu sarcasticamente.
 Aguinaldo, dessa vez, saiu sem pedir nada. Apenas retirou-se e foi até o Restaurante dos Prazeres. Chegando lá, ele sentou-se em uma das cadeiras, chamou o garçom e fez o seu pedido.
 Quando nosso amigo achava que o dia não poderia ficar pior, Dona Lúcia entrou no restaurante e resolveu sentar-se logo na cadeira ao lado de Aguinaldo.
 Ela insistiu repetitivamente para o nosso amigo comprar um de seus produtos, até que ele, sem paciência e com o intuito de afastá-la, concordou finalmente e pagou por um de seus perfumes.
- O senhor não vai se arrepender! – ela disse, logo após levantou-se da cadeira e retirou-se.
 Aguinaldo era relativamente vaidoso, mas não ao ponto de usar perfumes em todas as ocasiões. Ele o guardou para usá-lo quando necessário.
 Alguns dias depois, Madalena arrumou um novo namorado, mas isso não abalou a personalidade dele. Ele continuou a passar todos os dias na lanchonete e continuou a chama-la para sair, apesar de que todas as suas tentativas eram malsucedidas.
 Após a sua última venda, não se viu sequer sinal de Dona Lúcia. Era como se ela tivesse desaparecido e isso, de certa forma, animava Aguinaldo.
 Na terceira semana de outubro, Madalena, novamente, faltou dois dias de trabalho. O gerente novamente dissera que ela estava afastada por “motivos pessoais”.
 Aguinaldo, então, não hesitou e preparou-se para o dia seguinte. Arrumou-se e usou o perfume que havia comprado. Na volta para a casa, depois de um dia cansativo de trabalho, lá estava ele na lanchonete, distraído no rosto triste de Madalena. Mas logo retomou-se e a chamou.
- Terminou com o namorado novamente?
- Sim – ela respondeu. Sua expressão de tristeza mudou instantaneamente ao chegar mais perto de Aguinaldo – Que fedor terrível é este?!
 Ele respirou fundo e sentiu um cheiro enjoativo de perfume.
- É mesmo, um fedor de perfume insuportável!
 Madalena passou a seguir o cheiro e ao chegar mais perto da camisa de Aguinaldo, ela decretou:
- Quem te vendeu esse perfume?! – Apesar de tentar manter uma relação de funcionário-cliente com Aguinaldo, já podia-se notar que ela o tratava como alguém bem mais próximo.
 Ele levantou-se indignado, saiu pela porta da lanchonete e foi diretamente para sua casa. Mais uma chance perdida. Já estava decepcionado até consigo mesmo, pois nas farras que costumava sair, nunca foi tão difícil conseguir a mulher desejada.
 Dias se passaram e adivinha quem arrumou outro namorado? Apenas para deixar claro: Madalena arrumou outro namorado. E digo mais, nós não somos os únicos a esperarmos que Madalena tenha finalmente tomado jeito e aprendido a escolher o seu companheiro. Toda a vizinhança esperava a mesma coisa! Todo mundo comentava, todo mundo reparava.
 Dessa vez, Madalena aparentava estar realmente feliz. Quem não estava feliz... Bem, Aguinaldo não estava feliz e para completar, Dona Lúcia, a mulher que vende “cosméticos estragados” apertou a campainha dele, depois de muito tempo sem o fazer.
- Bom dia, eu vim vender-lhe mais cosméticos!
- Dona Lúcia... – disse Aguinaldo, que atendeu a porta já com o perfume nas mãos – A senhora disse que eu não iria me arrepender... Pois bem, eu me arrependi! – ele gritou e logo após, jogou o perfume pela porta e a fechou na cara dela.
 Antes que ele desse meia volta, sua campainha tocou novamente e ele, inexplicavelmente tolerante, virou-se e a abriu.
- Mas dessa vez eu tenho novos produtos! – ela insistiu e tirou um frasco com creme de sua bolsa – Veja, esse creme de abacate é ótimo para hidratar a pele.
 Aguinaldo tomou o frasco da mão da senhora, retirou a tampa, tirou uma enorme porção de creme do frasco com a mão e a passou na camisa dela.
- Esses cremes não servem de nada mesmo! – ele gritou.
 Aguinaldo, deixando despertar sua fúria acumulada, devido aos acontecimentos anteriores, tomou a bolsa que estava pendurada no ombro da senhora e passou a desperdiçar todos os produtos ali ao ar livre. Dona Lúcia, indefesa, só podia olhar e ver os seus produtos sendo consumidos sem pagamento prévio – na verdade, sem sequer previsão de pagamento.
 Quando sua energia terminou, Aguinaldo finalmente pôs-se para dentro de casa e fechou a porta.
- Isso não vai ficar assim! – gritou Dona Lúcia do lado de fora, enquanto recolhia os frascos do chão.
 Como muito frequente nesse conto, o tempo passou. Aguinaldo continuava em sua saga, persistentemente. E o pior de tudo, é que aconteceu novamente, mas dessa vez, sem os dois dias seguidos de folga do trabalho. Madalena, novamente, demonstrou-se triste.
- Madalena... Isso é ridículo! – Aguinaldo exclamou.
- Eu também percebi isso – ela disse – E resolvi te dar uma chance.
 Finalmente, sua persistência valera a pena. Fisicamente, Aguinaldo apenas sorriu e marcou o horário e o local. Mas mentalmente, ele pulou de alegria diversas vezes e dançou todos os ritmos de música existentes.
 Na grande noite em que os dois iriam sair para o encontro oficial, Aguinaldo a esperou no Restaurante dos Prazeres. Esperou, esperou... Nada da mulher aparecer. Já estava imaginando que ela lhe havia pregado uma peça quando olhou para a televisão que ficava no canto do restaurante e viu a notícia de que acontecera um acidente na Rua Mastruz que envolvia uma moça chamada Madalena.
 Ele rapidamente correu até o lado de fora e por sorte, um taxi esperava outro rapaz na porta. Aguinaldo entrou nele e o pediu para que se dirigisse até o local do acidente. O taxista se negou, pois estava esperando outro senhor que o garantiu voltar a poucos minutos. Mas logo os princípios do taxista mudaram quando Aguinaldo ofereceu o dobro do dinheiro da viagem.
 Em menos de cinco minutos, eles haviam chegado no local e ao sair as pressas do carro, ele viu a figura de Madalena, deitada em uma maca dentro da ambulância. Havia faixas amarelas impedindo a aproximação de outras pessoas, mas ele simplesmente as ignorou e pulou sobre elas, em direção à ambulância.
 Ao chegar mais perto, teve a agonizante visão do seu amor, deitado na maca, naquele ambiente branco assustador. Médicos estavam tentando reanimar a moça que havia perdido a pulsação. Aguinaldo não podia fazer nada, a não ser observar os médicos aproximarem os desfibriladores ao corpo da mulher e vê-la contorcendo-se a cada tentativa.
 Os médicos tentaram diversas vezes. A cada tentativa, Aguinaldo ficava mais próximo de também ter uma parada cardíaca. Após sete tentativas frustrantes, os médicos decidiram que não havia mais nada a ser feito e marcaram o horário da morte da moça.
 Claro que para o nosso amigo insistente, sete vezes nunca seria suficiente. Ele correu para dentro da ambulância e logo, um enfermeiro que estava lá dentro o impediu. Já com a razão totalmente fora de si, Aguinaldo pegou o enfermeiro e jogou para fora do carro.
 Pessoas são imprevisíveis em situações emocionais. Isso é um fato. Mas ninguém nunca iria imaginar que aquele técnico em informática pudesse chegar tão longe. Ele pegou os desfibriladores e continuou com tentativas constrangedoras em reanimar a mulher. A ambulância já estava rodeada de policiais, apontando a arma para o rapaz, todos olhando o seu rosto vermelho e banhado em lágrimas, quando após a sua quinta tentativa, o corpo de Madalena, afogado nas lágrimas do rapaz, recuperou o seu fôlego e levantou-se abruptamente.
 Os policiais abaixaram as armas, os médicos esfregaram seus olhos, os curiosos tiraram seus chapéus e os religiosos levantaram suas mãos ao céu. Para os médicos fora um fenômeno muito raro, para os religiosos fora um milagre, para alguns outros fora o poder do amor.
 Madalena logo viu o rosto do rapaz cheio de lágrimas, com os aparelhos de choque nas mãos, olhando para ela com o rosto de bobo, como se ainda não acreditasse no que havia acabado de acontecer. Ela não pensou duas vezes, aproximou-se dele e ambos selaram seus primeiros beijos como casal. Algum tempo depois, ainda dentro da ambulância, porém, após ser tratada pelos médicos, ela deu seu celular para o seu novo namorado e pediu para que ele ligasse para a sua mãe e avisá-la que tudo estava bem.
- Claro! Qual é o número dela? – disse ele, bastante empolgado.
- Procura ai na agenda... Está escrito L. de Souza.
- L de...?
- Lúcia. – ela disse – Talvez você saiba quem é. Dona Lúcia, a vendedora de cosméticos.

8 comentários:

Angela disse...

Legal , posta mais !

Isabela disse...

Nossa nem imaginei que D. Lúcia fosse a mãe de Madalena.
Babadoo, ameii.
Imaginei que D. Lúcia fosse mais nova, e cheguei a pensa que ela fosse irmã de Madalena.
Parabéns, continue escrevendo, para mim continua apreciando.

Brenda Helen disse...

Um bom conto!
Um conto com uma história muito bem desenvolvida, e claro com o ótimo sacasmo.
Muito bom, mesmo.

Unknown disse...

Adorei conto bem elaborado... mas já sabia que seria bom, o Jonas sempre acerta nos continhos dele kkkk escreve mais viu? :D

Vívian Thaís Rascunheba de Andrade disse...

nossa mto mara "jôjô"
suhahusahsuhhusahusahushua
gostei
agora to empolgada! queru ler mais! 8D

Ketty disse...

Caraa, muito bom!
Vcoê deveria escreveer livros, eu adoraria encheer minhas prateleiras com eles! (pow, faleei bonito!)
Faaz mais, viciei ;)

Anônimo disse...

quero ler um conto sobre "passarinho que come pedra sabe o cu que tem", até porque nunca entendi o provérbio.

Tααtαh disse...

Nuss... Muito boom...
Vc Escreve muito bem Jonas..
Gostei'
Fiquei aqui imaginando o final e nem esperava que fosse esse...
Muiito bom mesmo'

Postar um comentário