sábado, janeiro 01, 2011


Um suspense romântico

12
Tudo começou em um 12 de junho (dia dos namorados). Era segunda-feira, Carla sentava em sua cadeira habitual e eu, como sempre, estava na cadeira ao lado. A professora de português, Elisabete, entrou na sala e terminou a aula dez minutos antes. Após apagar o quadro, ela tirou de sua bolsa um bilhete e uma caixa vermelha enrolada em uma fita rosa e anunciou:
- Alguém na turma tem um admirador secreto! - disse Elisabete, quase cantarolando.
Algumas garotas pularam da cadeira de curiosidade e ansiedade para saber quem era a pessoa da turma. "Quem é? Quem é?!", era o que várias garotas repetiam. Quando a turma se acalmou, a professora pôs-se a ler a carta.
"Desculpe-me não poder me apresentar, ainda. Não sou um admirador tão secreto assim, você já me conhece. Queria que você soubesse o que o meu extremo nervosismo não me deixa te dizer diretamente: Eu estou enlouquecidamente apaixonado por você.
Espero que você entenda a minha situação... Em breve poderemos nos falar pessoalmente, mas para ter certeza de que você entende os meus sentimentos, por favor, aceite esses chocolates, se você aceitasse eu ficaria mais confortável em uma futura relação social.
Para a garota mais incrível desse mundo: Carla ... Do seu admirador não-tão secreto."
Algumas garotas desdenharam de Carla, mas lógico, queriam que a situação fosse para elas.
O ar de superioridade dela estava visível diante das outras garotas. Ela levantou-se e a professora entregou-lhe a caixa de bombons.
Devo admitir que fiquei enciumado com isso, mas não me dei razão, além do mais, ainda nem a conhecia.
Antes do acontecido, eu já planejava segui-la até a sua casa, só por curiosidade. Eu resolvi fazê-lo nessa segunda-feira. Quando todas as aulas terminaram, acompanhei-a secretamente por todas as ruas que ela passava. Não parou em lugar algum e em menos de cinco minutos, ela entrou em uma casa com um portão verde e de paredes alaranjadas. Eu estava atrás de um arbusto que ficava do outro lado da rua, ela nem sequer percebeu minha presença.
Alguns minutos após ela entrar, um homem de terno e gravata - segurando algumas sacolas de supermercado - saiu da casa bastante furioso, xingando todos na casa.
- Vocês não querem me ter como inimigo - o rapaz de terno gritou , em direção à casa - Eu tenho tanto direito à casa quanto vocês... E vou ter o que é meu! Mesmo que para isso, seja necessário que eu mate alguém!
Enquanto dizia essas palavras terríveis, o homem de terno colocou as sacolas no chão(aparentemente, para descansar) e de sua mão direita caiu um pedaço de papel amassado. Quando terminou de falar, ele se retirou e eu - como de costume, muito curioso - fui ver o que havia no papel amassado.
Dei uma boa olhada nele, porém, tratava-se apenas de uma lista de compras escrita em letras manuscritas para o supermercado - a caligrafia tinha alguns traços peculiares, eu diria.
Finalmente descobrira onde Carla morava. Dessa forma, se ela resolvesse sumir do colégio, ainda assim, eu poderia conhecê-la.
No dia seguinte, Carla estava sentada em sua cadeira, segurando um buquê de rosas brancas. Outra cena que alertou os meus ciúmes. Mas eu ainda estava sem razão. Durante o intervalo, meu amigo de infância Henrique - que também era amigo de Carla - veio falar comigo na sala.
- O tal admirador secreto de Carla começou a mandar enigmas para ela - ele disse.
- Enigmas? Para quê?
- A resposta do enigma é uma pista para descobrir quem ele é... Isso parece algo do tipo que você faria, Eduardo - ele insinuou - É você o admirador secreto dela, não é?!
- Não! Você sabe que eu não faria algo que chamaria tanta atenção assim.
- Realmente.
- Mas você se lembra como era esse enigma?!
- Era algo do tipo... "O ponto mais alto da montanha é amarelo, mas para alcançá-lo, é preciso escalar uma considerável quantidade de neve".
Não foi muito difícil resolver, eu apenas associei a frase ao fato dela estar relacionada à algum aspecto físico do misterioso admirador.
- Ela não conseguiu resolver isso? - eu perguntei, um tanto desapontado.
- Sim... Porque? Já desiludiu?
- Não... Claro que não! Ela não precisa resolver enigmas para ser a garota encantadora que é.
- Sim. O admirador que o diga! Mas então, você conseguiu resolveu o enigma?
- Consegui.
- Pode explicar então?
- O admirador é a montanha. Se o ponto mais alto é amarelo, então ele é loiro e como a superfície da montanha é coberta de neve, a cor da sua pele é branca.
- Faz sentido... Ei. Por que não diz isso a ela?! Espera um momento.
Minutos depois, ele voltou acompanhado com Carla, finalmente chegara a hora de nos conhecermos. Henrique nos apresentou e eu repeti a minha conclusão sobre o enigma.
- Você é inteligente! - ela comentou.
- Não... Era só interpretar da maneira correta.
- Você é Eduardo não é?!
Eu fiquei tão feliz... Ela já sabia o meu nome!
Depois de alguns minutos de conversa, o sinal da próxima aula tocou e retiramo-nos às nossas salas. Eu não conversei mais com ela naquele dia (ela era da minha turma, mas eu não gostava de conversar durante as aulas).
Na saída do colégio, como sempre, me encontrei com Henrique.
- Você quer ir à floricultura? - eu perguntei.
- Para quê?
- O admirador provavelmente é da cidade, e só há uma floricultura nessa cidade! Talvez a vendedora se lembre de alguma outra característica desse cara.
- Você parece estar mais ansioso para conhecê-lo do que a Carla - ele brincou - Ok. Vamos!
Fomos à floricultura no centro da cidade, é um dos lugares mais agradáveis que eu já visitei. As flores são evidências da existência de Deus! Como diria Sherlock Holmes.
- Em que posso ajudá-los? - perguntou a vendedora.
- Nós queríamos saber se a senhorita se lembraria de um comprador de rosas brancas...
- Talvez. As brancas são pouco vendidas aqui, só tive três clientes que compraram rosas desse tipo essa semana.
- Ótimo! Ele tem a pele branca e é loiro.
- Lembro sim! Ele estava com uma camisa vermelha, usava um óculos arredondado e tinha um pouco de barba.
- Nossa! - Henrique exclamou - Lembra-se disso tudo?!
- Sim. Vendedor, em qualquer área, é uma profissão para pessoas aplicadas. É sempre bom observar as pessoas.
- A senhorita teria mais alguma outra informação relevante sobre ele? - eu indaguei.
- Não posso dar mais nenhuma outra informação.
- Muito obrigado pela sua ajuda!
- Claro. Sempre que precisarem.
- Já que você falou isso. Eu ainda tenho uma dúvida - Henrique disse.
- Pode dizer!
- Floriculturas vendem flores, certo?! Então porque você não está a venda?
Henrique era o tipo de pessoa que não tinha vergonha de nada. Nunca o vi amedrontado ou embaraçado diante de qualquer situação.
Na quarta-feira, quando eu entrei na sala, avistei alguns alunos olhando para uns desenhos e letras vermelhas pintadas na parede. Eu aproximei-me e vi que os desenhos eram um coração e dois bonecos de mãos dadas. As letras se tratavam de uma mensagem:
" P S2 C
Estou tomando coragem! Tente entender que isso só está acontecendo comigo porque eu te amo de verdade. Enquanto isso, aceite esse presente!"
Carla estava bem em frente ao desenho, olhando para ele.
- Qual foi o presente? - eu perguntei.
- AAh! Olha que lindo - ela disse, mostrando o anel em seu dedo.
- Ele te pediu em namoro ou algo assim?
- Não! Seria equívoco da parte dele fazer isso antes de se apresentar... Eu sei que ele não é tão estúpido!
- Acredito que não seja mesmo - eu comentei - Você percebeu que em "P S2 C" ele revela a inicial do nome dele, não é?
- Nossa, eu fiquei tão distraída com o presente e a mensagem que nem reparei isso - ela disse - Qual será o nome dele?! Paulo... Perseu... Pedro...
- Pinóquio! - eu brinquei.
Durante a nossa conversa, um rapaz alto, loiro e de pele branca veio até nós.
- Finalmente tomei coragem, gata! - disse o rapaz, ajoelhando-se com um pé e com uma rosa branca na mão - Eu nem sei por onde começar.... Aliás, já sei. Tenho dezoito anos, sou aluno do terceiro ano, tenho um carro! Ah, meu nome é João.
Carla me lançou um olhar meio cúmplice.
- Não é ele, não é? - ela perguntou.
- Acredito que não - respondi.
O rapaz percebeu que a moça não acreditara em sua farsa e retirou-se.
- Essa foi uma cena interessante - eu comentei.
- Haha. Esse já foi o terceiro e o mais elaborado. Os outros eram morenos e mal sabiam escrever.
Olhando para as palavras avermelhadas escritas na parede, eu me lembrei que elas diziam muito mais do que se percebia.
- Sabe o que mais eu poderia dizer, olhando para esses desenhos? - eu indaguei, tentando impressioná-la - O seu admirador tem um metro e setenta!
- E como você pode dizer isso?! - ela perguntou, reagindo da forma que eu esperava.
- As pessoas costumam escrever na parede à altura de seus rostos; e as letras estão mais ou menos um centímetro abaixo de onde eu escreveria, sendo que, eu tenho um metro e setenta e um.
- Nossa, você poderia ser um detetive.
- Na verdade, eu li isso em Sherlock Holmes.
- Interessante... E você já poderia nos dizer quem é o misterioso responsável por todos estes presentes e mensagens, Sr. Sherlock? - ela disse, com o tom um tanto irônico.
- É um erro capital teorizar antes de obter todos os dados - disse Henrique, enquanto aproximava-se de nós - E sim, essa também é uma citação de Sherlock Holmes.
- Vocês devem ser muito fãs dele - ela comentou - Eu acho que já sei quem é... Loiro, um metro e setenta, branco, letra inicial P... Só pode ser o Plínio! Mas vou agir como se não soubesse que é ele.
Eu não acreditava muito que fosse o Plínio, uma vez que ele tinha uma fama de não apegar-se à uma garota só.
Nós conversamos por bastante tempo nesse dia. Às vezes ela se esquecia do tal admirador e conversávamos sobre coisas que ambos gostávamos e descobríamos muitas coisas em comum.
Dia 15. Um dos professores não foi ao colégio; eu estava com o grupo de Carla, conversando sobre como o trabalho de português deveria ser feito. Um pouco após terminarmos o diálogo, seu telefone tocou. Ela verificou do que se tratava, era uma mensagem:
- Ai, que lindo! - disse ela, me mostrando logo em seguida, a mensagem:
"Um dos fatores que me reprimem, é a minha reputação suja de conquistar várias garotas. Mas tudo isso mudou depois que eu te vi... Todas as outras garotas passaram a significar nada! Enfim, antes de entrar em casa, cheque a sua caixa de correio."
- Qual é o numero?! - eu perguntei, euforicamente.
- É daquelas mensagens enviadas pela internet.
Já fazia algum tempo que eu pensava em lançar tal tópico, mas não sei porque, algo me disse que aquele seria o momento propício:
- Você não quer ir no cinema comigo?!
- Claro! Seria legal. Gosto bastante de conversar com você. Você é um ótimo amigo - ela disse, despertando o meu desapontamento - A reputação suja... É realmente o Plínio! - trocou o assunto - Explica tudo! Quem diria, ein?
- Você poderia ir na segunda?
- Poderia sim.
Apesar de tudo, eu estava feliz. Teria meu momento com ela e tentaria aproveitá-lo ao máximo. Eu cheguei à sentir certa tensão com a situação e tentei mudar o assunto.
- Seus pais são separados?
- Não - ela respondeu - Eles moram juntos em outro estado.
- Com quem você mora, então?
- Eu alugo um quarto na casa de Dona Marcela, uma senhora que vivia sozinha quando eu cheguei aqui. De vez em quando ela tem problema com esse tal de Robson, um parente distante dela, que acha que tem tanto direito à casa quanto ela.
Eu quase ia revelando que poderia já ter visto esse Robson em algum lugar. Sorte que eu me contive! Ou então, ela acabaria descobrindo que eu já a segui até a sua casa.
Nesse mesmo dia, eu não suportei olhar para a cara do tal Plínio. Era como se houvesse uma rivalidade imensa entre nós e de certa forma, o fato dela ser tão requerida entre os garotos me fazia acreditar que eu tinha um bom gosto.
Eu cheguei em casa antes do almoço. Na verdade, estava tão interessado no assunto que nem sequer lembrei de ter fome. Liguei o computador e acessei o "orkut". Engraçado... Minha sorte de hoje era "Tudo na vida há um propósito". Eu ri na hora. Sempre ri das minhas sortes no orkut por serem frases aleatórias que nada tinham a ver comigo ou com minha vida.
Acessei as redes sociais com a intenção de caçar o tal admirador secreto, mas não tive nenhum sucesso, até porque, antes que eu pudesse visitar o perfil de Carla, a luz acabou em toda a cidade.
No meio da tarde, Carla me ligou para dizer que o admirador a havia deixado um lindo bracelete dentro da sua caixa de correio. Nunca me importou o fato de que ela ligava para falar comigo sobre esse rapaz, eu me contentava em falar com ela sobre qualquer assunto.
O apagão só terminou às 3:00h, eu nem sequer percebi quando a energia voltou.
Na sexta feira, lá estava Carla, sentada em sua cadeira, esperando o professor chegar na sala. Assim que me avistou, fez sinal para que eu fosse até ela.
- Olha o que ele me deixou hoje - ela disse, tirando uma carta com letras manuscritas do seu bolso.
" Chegou a hora. Sem mais motivos (e presentes) para mantê-la esperando. Peço que venha (segunda-feira; gostaria de vê-la usando meus presentes) até a Rua das Margaridas, nº 13, logo quando sair do colégio.
A essa altura já deve ter ideia de quem eu sou, mas gostaria de me revelar formalmente... Não gostaria muito de relembrar meus momentos de fraqueza. Eu peço por gentileza que você queime essa carta após lê-la, não seria agradável para mim, relê-la."
De início, apenas imaginei que ele teria mandado uma mensagem manuscrita, devido à queda de energia que o impossibilitaria de usar o computador, mas após ler e perceber tal escrita peculiar, meu coração acelerou tanto que nunca mais voltou ao seu lugar de origem. A caligrafia era a mesma que eu tinha visto no papel que o tal Robson deixara cair! Eu ainda não tinha tanta certeza disso, precisava investigar um pouco mais. Eu pedi que me entregasse o bilhete, usando a desculpa de que queria examiná-lo um pouco mais.
Devo admitir. Fui extremamente egoísta ao omitir essa descoberta para Carla. Eu temia que se eu contasse que a segui e que sabia como era a caligrafia do rapaz, ela me desprezaria ou deixaria de falar comigo.
Apenas voltei para minha casa e passei a refletir um pouco mais sobre o assunto. Eu cheguei a conclusão de que, teria de afastá-la do admirador antes de segunda-feira. Tive algumas ideias e passei a pô-las em prática.
Nesse mesmo dia, fui até a casa dela (por sorte, foi muito fácil invadir seu quarto) e executei meu plano: Deixei uma boneca com a cabeça arrancada e um bilhete em letras de forma. "Você me faz perder a cabeça!".
Talvez o leitor zombe de mim, mas a verdade é que eu estava desesperado, tanto por Carla estar em perigo quanto por estar invadindo seu quarto. Saí rapidamente da casa e voltei para a minha.
Ela saíra com a senhora dona da casa para fazer compras. Quando chegara, viu a mensagem e me ligou logo em seguida. Ela comentou sobre o fato ser um pouco assustador, por ele estar invadindo a sua casa, mas de certa forma, era engraçado e parecia que ele estava tentando fazê-la rir.
Infelizmente, meu plano não havia dado certo, mas eu tentei outra coisa no dia seguinte. Deixei outro bilhete, em baixo de seu travesseiro: "Quem eu estou querendo enganar? Nunca vou conseguir me apresentar à você. Sou fraco, estúpido. O melhor é que você me esqueça! Me esqueça! Fique com os presentes, se quiser, mas nosso compromisso de segunda está cancelado!"
Eu saí da casa achando que havia feito um ótimo trabalho, mas esse pensamento logo mudou quando li a mensagem dela em meu celular: "Como você pôde?! Eu te odeio! PS: O nosso compromisso de segunda é que está cancelado!".
Eu me afundei em um mar de decepções. Ela descobrira tudo! Como eu poderia imaginar que a velha senhora seria tão precavida?! Depois das ameaças de Robson e perceber que a casa era tão fácil de ser invadida, a velha colocara câmeras na casa no mesmo dia. Eu fui flagrado pelas câmeras!
Carla nem sequer olhou para mim, na segunda-feira. Ela sabia que as duas últimas mensagens eram falsas e que eu não era o seu admirador secreto.
Foi um dia muito triste. Imaginar os pensamentos dela em relação à mim foi horrível. Devido à vergonha extrema, eu nem me atrevi a falar com ela durante as aulas.
"Solidão" não era uma palavra forte o suficiente para descrever o meu estado naquele dia. A única pessoa que falara comigo foi Henrique.
- Por que não tem falado com Carla? - ele perguntou - Vocês só andavam grudados semana passada.
- Eu fiz uma besteira - eu disse e logo após, contei tudo que havia se passado no fim de semana.
- Então, você acha que o admirador secreto, é na verdade, um odiador secreto?! - ele exclamou - Isso é grave! E se acontecer algo com ela?
- Eu vou segui-la hoje até o lugar citado na carta.
- Toma cuidado, cara! Leva isso... - ele disse, após tirar um canivete suíço do bolso.
- Sério?! Você traz um canivete para o colégio?
- Sim. Levo ele pra todo lugar. Faço isso desde que comecei a virar fã de MacGyver.
Eu tomei-o de sua mão e o coloquei no meu bolso.
As aulas terminaram as 12:00h. Eu a segui cautelosamente até o lugar (ela novamente não percebera que eu havia a seguido). Depois que ela entrou na casa, eu percebi que o rapaz de terno estava um pouco afastado do local, observando-a. Eu entrei na casa fingindo que não sabia que alguém me observava.
Foi a pior visão da minha vida. Carla chorava sobre o corpo da velha senhora. Ao lado dela havia um taco de beisebol e nada mais! Prefiro não descrever o aspecto físico de Dona Marcela, tenho apenas uma palavra: Horrível.
Eu estava totalmente paralisado diante do corpo, quando o homem de terno, Robson entrou na casa.
- Algo não saiu como eu planejava - ele disse, retirando uma pistola de sua cintura - Quem é você, garoto?!
- Foi você que fez isso com a senhora, não foi?!
- Claro que não... Ela mesmo pegou o taco de beisebol, veio até essa casa e se espancou sozinha! - disse ele, sarcasticamente - Mas para todos os efeitos, foi a garota quem o fez.
- Faz todo o sentido! Se você não pode ter a casa, então ninguém mais a teria, não é? Você assassinou a senhora e planejou para que a polícia achasse que foi a sua única hóspede quem a matou! As joias que você deu para ela... O anel, o bracelete pertenciam a Dona Marcela, correto?! Foi por isso que você pediu para que Carla viesse as usando; dessa forma, a polícia acharia que ela havia espancado a senhora por causa das joias!
- Ora, ora. A Carla arrumou um pretendente esperto - ele disse - Enfim, a conversa está boa, mas rapazinho, você precisa se retirar.
- Eu não vou a lugar algum! - eu disse, tirando o canivete do bolso.
- Jogue o canivete para mim! - ele mandou, mirando a arma para mim. Eu não hesitei em fazer o que ele disse - Bom garoto. Agora saia! - gritou.
Eu não soube o que fazer. Fiquei parado no mesmo lugar de onde estava. Não queria demonstrar que era um fraco na frente de Carla, mas também não queria ser assassinado diante dela. Ele ficara muito impaciente com a minha falta de atitudes, destravou a sua arma - o barulho da mesma foi interceptada pelo som estrondeante da invasão de vários polícias para dentro da casa.
Mais de dez homens entraram equipados com todos os tipos de arma possíveis! Foi um alívio para mim. Em questão de segundos, Robson já estava rendido e ajoelhado ao chão.
Henrique havia chamado a polícia. Ele nem sequer entrara na sala. Finalmente descobrira um medo dele: Policiais! Uma fobia um tanto suspeita, mas o que importa é que ele salvara o dia!
Carla foi levada pelos policiais. Não foi presa, lógico, mas precisavam do seu depoimento. A carta manuscrita nunca foi queimada - o que serviu de importante evidência. Semanas depois, quando Carla já aparentava estar recuperada do choque, eu me ousei a perguntá-la se ela reconsideraria o convite para o cinema; para a minha felicidade, ela respondeu que sim!
Talvez o orkut tivesse razão dessa vez. "Tudo na vida há um propósito". Talvez houvesse um real propósito em eu estar seguindo-a as escondidas naquele dia. Talvez exista uma força maior, que nos predestina ao que nos vai acontecer. Tudo que tiver de acontecer, simplesmente acontecerá algum dia. Não acredito em videntes que possam prever o meu futuro, mas acredito que,independente de estar predestinado ou não, a melhor alternativa é persistir com os nossos sonhos, até porque, é muito improvável que um sonho seja realizado devido à nossa desistência.

domingo, setembro 26, 2010


As Aparências Enganam/ O peixe morre pela boca

4
                No bairro da Inspiração, vivia isoladamente, um ávido observador chamado Marcelo. Sua vida era um tanto peculiar, pois morava sozinho na zona rural e ganhava a vida com suas monografias sobre os pássaros da região. Ele tinha dinheiro suficiente para ter uma vida equilibrada na zona urbana, porém, vivia na floresta por opção e por causa da raridade de aves daquela região. Em seu tempo livre, ele também atuava como locutor de rádio. Marcelo costumava sair de casa periodicamente, para espairecer e para sair com seus amigos.
                Ele observava os pássaros compulsivamente. Seu trabalho nunca foi cansativo, até porque, ele se divertia mais do que trabalhava, maravilhando-se com o poder de liberdade daqueles animais.
                Através de seu telescópio, ele via pela milésima vez um joão-de-barro construindo o seu ninho quando inesperadamente, sua campainha tocou. Marcelo não esperava ninguém, portanto, só poderia ser uma pessoa: a mais chata e insistente de todo o bairro.
                Marcelo abriu a porta e a figura de uma senhora baixinha com uma bolsa no ombro direito não o surpreendera nem um pouco, pois ele já esperava que fosse ela.
                - Dona Lúcia... Eu já disse que não quero cosméticos.
                - Mas eu trago novidades! - exclamou a mulher, que mesmo sem ser convidada, já havia entrado na casa - Deixe-me te mostrar meus novos produtos. Veja esse creme de ovelha!
                - Eu não estou interessado - disse Marcelo com sua característica paciência, enquanto via Dona Lúcia andando pela casa e olhando tudo ao seu redor.
                -Você conhece o Aguinaldo? – ela disse – Aqui está o cartão dele, ele conserta computadores, talvez você precise algum dia – continuou, colocando o cartão sobre a mesa – Ele costumava ser terrível com as mulheres, mas depois que comprou uma das minhas loções, logo conquistou minha filha e eles estão juntos até hoje!
                - Ótimo para eles, Dona Lúcia, mas eu não estou interessado em seus produtos.
                - Você tem uma ótima casa! - disse a senhora que logo após mais alguns passos, esbarrou-se no telescópio, mudando-o de posição.
                - Olha o que você fez! - disse Marcelo, enquanto deixava uma cadeira de pé, que também havia caído - Saia já da minha casa!
                - Tudo bem - ela disse, direcionando-se até a porta - Só fique sabendo que, se não usar meus produtos, ficará solteiro para sempre - continuou e retirou-se da casa.
                Marcelo fechou a porta e voltou para o seu telescópio com o intuito de retorná-lo a posição do joão-de-barro, porém, uma visão macabra o congelou por alguns minutos.
                Ao olhar através do telescópio naquele momento, podia-se ver a figura de um ser estranho, com o rosto extremamente pálido e paralisado como se não tivesse nenhum tipo de emoção ou sentimento. Tinha mais ou menos um metro de comprimento e o mais intrigante de tudo: Ele estava olhando diretamente para o telescópio como se ele e Marcelo estivessem se encarando olho-no-olho, mas isso era completamente impossível, pois o observador de pássaros estava há quase um quilômetro do local.
                Após recompor-se do calafrio que havia sentido ao presenciar tal cena, Marcelo pegou seu casaco, foi até a rua e correu em direção ao local para ter certeza do que acabara de ver. Ele desperdiçou duas horas na floresta, procurando pela tal aparição, mas não encontrou nada, nem uma pista sequer.
                Na volta para a casa, ele caminhou completamente distraído. A cena se repetia várias vezes em sua mente.
                O movimento da rua estava um tanto agitado, pois era 12 de outubro. O circo estava na cidade e era dia de apresentação. Também vale ressaltar que o bairro estava se preparando para receber uma banda de rock famosa que se apresentaria no dia 15.
                Marcelo estava decidido a falar sobre o acontecido no seu programa de rádio, porém, estava esperando por algo que o fizesse ter certeza daquela visão, pois se anunciasse sem uma confirmação, seu programa estaria correndo o risco de perder a credibilidade.
                Um dia após o vislumbre da figura repugnante de rosto paralisado, Marcelo saiu de casa para tentar pensar claramente, sentou-se no banco de uma praça e ficou olhando o trânsito. Minutos depois, uma de suas vizinhas que passava por ali, o reconheceu e também sentou-se no banco da praça.
                A vizinha se chamava Júlia. Eles não se falavam muito, mas ela era encantada pelo jeito misterioso e pelo profundo olhar de Marcelo. Ela o idealizava como um homem interessante e de poucas palavras.
                - Bom dia, vizinho – disse Júlia – Por que está olhando o trânsito?
                - Nenhum motivo aparente – Marcelo respondeu – Só tentando me distrair um pouco.
                - Eu também tenho precisado de um pouco de distração ultimamente.
                Marcelo percebeu certas segundas intenções nas palavras da moça.
                - Você não gostaria de ir ao cinema qualquer dia desses?
                - Claro! Seria ótimo – a moça respondeu. De fato, havia segundas intenções, além do mais, nem todas as aparências enganam.
                A conversa se prolongou. Eles marcaram a data e o horário. Júlia ainda estava sentada no banco conversando com Marcelo, quando um caminhão passou anunciando o horário das apresentações do circo. A parte de trás do caminhão estava aberta, de modo que podia-se ver várias pessoas dentro dele. Aparentemente, aquelas pessoas faziam parte das apresentações.
                O caminhão já estava a uma distância formidável quando Marcelo percebeu, olhando de longe para dentro dele, a mesma pessoa sem feições que havia visto na floresta!
                A criatura ainda estava com a mesma expressão congelada de sempre, porém, agora media no mínimo um metro e cinquenta. Mesmo de longe, ela novamente parecia estar encarando Marcelo.
                Quando ele pensou em se levantar do banco e correr, o caminhão já estava bem longe, fora do alcance e da vista de qualquer pessoa que estivesse na praça. Após a frustração de ver novamente aquela figura, Marcelo levantou-se, confirmou o encontro com a mulher e se despediu.
                O programa de rádio do Marcelo era ao vivo. Ele improvisava cada programa durante a sua execução, o que era a característica principal do show.
                Ao chegar em casa, ele não pensou duas vezes, esperou dar o horário do programa, foi até o seu estúdio e logo após as introduções do show, ele anunciou o acontecido e ainda denunciou o circo por estar mantendo uma criatura desconhecida em cativeiro.
                Marcelo não recebeu nenhuma queixa do dono do circo, na verdade, seu telefone tocara muito pouco naquele dia. A notícia se espalhou pelo bairro e uma pergunta polêmica surgiu naquela região: “O que era o ser desconhecido que o locutor tanto falava? Seria de fato, um segredo que o circo escondia ou seriam apenas alucinações de um homem que vivia muito tempo estudando dentro de casa?”.
                O caso só não se tornou famoso pelo resto da cidade, porque na época, a notícia predominante era a do Diego, o garoto desaparecido. Ninguém sabia do paradeiro dele. A família havia o deixado sozinho em casa, dormindo, como de costume, mas dessa vez, quando voltaram, o menino de seis anos havia desaparecido.
                A última visão de Marcelo o deixara ainda mais confuso. “Que tipo de criatura cresce tão rapidamente?” essa pergunta se repetia inúmeras vezes na cabeça dele. Ele passou um dia inteiro pesquisando nos seus livros de biologia da faculdade, tentando encontrar algo relacionado, mas não encontrou nada.
                No dia da apresentação da banda de rock, Marcelo e Júlia foram ao cinema. Eles estavam assistindo a uma comédia romântica e se conheceram melhor.
                - Nossa! Eu adoro esse filme! – exclamou Marcelo, sentado na cadeira.
                - Eu ainda não assisti. – Júlia comentou.
                - É muito legal... O protagonista é preso no fim! – disse Marcelo enquanto assistia ao filme – Olha esse garoto! Ele vai ser sequestrado! Nossa! Ótima ideia vir aqui... Isso realmente me distrai.
                Marcelo não parava de falar, mesmo com as reclamações de algumas pessoas que estavam por perto. Júlia ficou impressionada com a atitude inesperada do rapaz.
                Ele, de fato, era um homem de postura misteriosa e olhar profundo, mas sua aparência não fazia jus a sua personalidade; ele, na verdade, era falastrão e inquieto. As expectativas de Júlia se tornaram decepções.
                Antes de o filme acabar, Marcelo já havia narrado todas as cenas, no mínimo, três vezes. Eles haviam combinado em ir para o show de rock depois do cinema, mas Júlia fingiu que estava com dor de cabeça e o despistou.
                Ele estranhou o fato de que, a própria mulher demonstrara interesse nele, mas que nada havia acontecido no encontro; porém, minutos depois de se despedirem, Marcelo consolou-se com o pensamento “É difícil entender as mulheres”.
                 Então, ele decidiu voltar para a sua casa e relaxar um pouco. Quando chegou, sentou-se no sofá e passou a imaginar o que aconteceria se visse aquele ser mais de perto... “Eu poderia ficar rico” ele pensava.
                Marcelo não queria ir diretamente ao circo, checar as apresentações e procurar a criatura porque tinha medo da ira dos funcionários, uma vez que ele os acusou sem prova concreta; porém, ele tinha alguns informantes procurando por pistas no local, mas até o momento, não haviam achado nada que comprovasse sequer a existência da criatura. Seria então, só a imaginação fértil do rapaz que estava criando tudo aquilo?
                Diante do tédio de ficar sozinho em casa, Marcelo pegou seu notebook para checar seus emails, porém o aparelho não havia ligado. Ele tentou alguns procedimentos que havia aprendido, mas nenhum deles funcionou, então, lembrou-se do cartão que Dona Lúcia lhe entregara e ligou para o técnico de computadores.
                Aguinaldo chegou em menos de trinta minutos, afinal, eles moravam no mesmo bairro.
                - Ei, o senhor é o locutor de rádio, não é? – Aguinaldo perguntou, enquanto mexia no notebook.
                - Sim. – disse Marcelo, um tanto impressionado – Não é muito comum reconhecer locutores de rádio pelo rosto...
                - Fiquei curioso uma vez e procurei por suas fotos na internet – Aguinaldo explicou – Eu gostava do seu programa, mas parei de ouvir depois que você começou a anunciar aquela maluquice de monstro da floresta que foi parar no circo.
                - Obrigado pela sinceridade.
                - Bom, parece que vai demorar um pouco – comentou Aguinaldo, enquanto examinava o aparelho.
                - Ótimo, eu precisava mesmo de alguém para conversar – disse Marcelo – Quer tomar um pouco de vinho? – continuou, já segurando uma garrafa de bebida.
                - Claro.
                Em menos de uma hora, os dois juntos haviam bebido seis garrafas de vinho. O notebook estava jogado no chão e ambos estavam na janela, olhando a paisagem e conversando sobre os assuntos mais inconvenientes possíveis.
                - Minha sogra é um demônio! – comentou Aguinaldo, extremamente bêbado – Se faz de santa pra todo mundo, mas ela me persegue o tempo inteiro! Você acha que ela distribui meus cartões por aí só por gentileza? Claro que não! Ela faz isso porque quer me ver trabalhando vinte e quatro horas por dia.
                - Essas muléres de hoje em dia só existem para nos perseguir! – comentou Marcelo, também muito afastado da sobriedade – É tudo um complô! Todas viraram lésbicas e agora querem nos perseguir, nos deixando deprimidos!
                - Muléres ou mulheres?
                - Os dois tipos, cara. Eu odeio os dois tipos!
                - É um telescópio ali pendurado na outra janela?
                - Sim! – Marcelo exclamou – Pode-se ver toda a floresta através dele!
                - Deixa eu tentar... Cara, eu acho melhor a gente parar de beber – disse Aguinaldo, após ter uma visão improvável na floresta, olhando pelo telescópio. – Tem alguém caído na floresta! Veja!
                Marcelo rapidamente olhou no telescópio e viu a criatura caída no chão da floresta. Ele não hesitou e correu até o local de onde ela estava; Aguinaldo o seguiu. Depois de ouvirem várias buzinadas dos carros e quase serem atropelados por atravessarem a rua apressadamente, eles chegaram na floresta e logo encontraram o que procuravam.
                O que Marcelo julgava um “monstro” estava caído no chão, aparentemente dormindo de lado. Ele estava com o mesmo tamanho de quando foi visto pela primeira vez.
                Quando os dois bebuns chegaram mais perto, ele acordou, levantou-se e deu passos para trás como sinal de medo. Aguinaldo, porém, conseguiu alcançá-lo andando vagarosamente, demonstrando não ter interesse em machucá-lo.
Ao segurá-lo, um forte clima de decepção despertou na cena. Aguinaldo retirou a máscara do garoto, revelando um rosto branco de olhos azuis, lindo e cheio de expressões. Tudo não passou de um mistério criado pela cabeça de Marcelo, um rapaz que precisava desesperadamente de uma mudança brusca em sua rotina.
O garoto encontrado se tratava de Diego, o menino desaparecido. A polícia e a mãe agradeceram encarecidamente aos dois rapazes que o encontraram; porém, o circo deixou Marcelo transbordando de processos, afinal, ele havia feito várias acusações sem uma prova sequer!
Marcelo não viu dentro do caminhão a mesma criatura que havia visto na floresta. Eram apenas duas pessoas diferentes usando a mesma máscara. As aparências o enganaram e ele pagou por acusar alguém sem provas.
Nem tudo é o que parece, mas nem sempre as aparências enganam; portanto, o que nos resta é não criar expectativas, porque no fim, elas podem se transformar em decepções.

segunda-feira, setembro 06, 2010


Água mole, pedra dura. Tanto bate até que fura.

8
 Um homem alto de postura firme e de bom humor morava no Bairro da Inspiração. Seu nome era Aguinaldo. Gostava de sair de casa para espairecer, farrear e às vezes, inspirar-se, apesar de que seu trabalho não se relacionava com isso. Aguinaldo instalava e consertava computadores, tanto para a vizinhança, quanto para uma determinada empresa.
 Ele saía para o trabalho todos os dias às 06:00h e retornava à sua casa por volta das 15:00h. Não almoçava lá, pois vivia sozinho, portanto, sempre passava na Lanchonete das Dores ou no Restaurante dos Prazeres para lanchar ou almoçar.
 Todos os dias, ele se deparava com uma vendedora de cosméticos, extremamente insistente. Seu nome era Lúcia e ela estava na porta de sua casa praticamente todos os dias, oferecendo-lhe cosméticos e produtos de beleza. Ele nunca sequer deu esperanças de que fosse comprar, na verdade nunca havia comprado um produto dela, mas mesmo assim, ela o visitava todos os dias.
 Em um dia do mês de setembro, Aguinaldo voltava do trabalho andando – como sempre, já que a sua casa não era muito distante de onde trabalhava – e passou na Lanchonete das Dores para lanchar.
 A Lanchonete não era um lugar muito rotineiro, eles sempre levavam novidades aos seus fregueses, tanto no cardápio, quanto na decoração. Enfim, dessa vez, havia entrado uma nova garçonete chamada Madalena. Ela era ruiva, alta e tinha certo olhar misterioso, apesar de gostar muito de conversar.
 Muitos dos leitores podem não acreditar em amor à primeira vista, mas foi o que aconteceu. Apenas ao vislumbre do rosto delicado da nova garçonete, o coração de Aguinaldo bateu tão forte que parecia querer sair ao encontro da moça.
 O técnico em informática, com toda a ansiedade típica de um novo amor, chamou a garçonete um pouco desengonçado. Percebendo o seu chamado, ela dirigiu-se até ele.
- Bom dia, senhor. – ela disse, com sorrisos entre as frases – Qual será o seu pedido?
- Eu gostaria de um hambúrguer, por favor – disse Aguinaldo – Também um copo de suco de maracujá.
- Só isso? – ela disse, após anotar o pedido em seu caderno.
- Também gostaria do seu telefone... – ele tentou.
- Bom. O telefone da lanchonete é...
- Não! – ele exclamou – Eu quero o seu telefone.
- Não posso lhe servir isso, senhor – ela disse, com um certo tom sarcástico, mas nunca perdendo o sorriso entre os finais das frases. Logo após terminar de falar, ela virou-se e foi até o balcão.
 Aguinaldo, visivelmente decepcionado, esperou ela voltar com seu lanche. A demora levou alguns minutos.
- Aqui está o seu pedido, senhor – ela disse, colocando a bandeja com hambúrguer e suco em cima da mesa.
- Mas tem algo faltando. – Aguinaldo disse. – E você sabe o que é.
- Não vou te dar o meu número – ela retrucou, perdendo a sua feição cheia de sorrisos – E eu não vou repetir isso.
- Ok, me desculpe – ele disse, compreensivelmente. – Meu nome é Aguinaldo, eu sou um cliente antigo daqui – continuou – Eu estou realmente...
- Eu tenho namorado! – ela exclamou, mostrando o anel em seu dedo da mão direita.
 Após tal exclamação, Aguinaldo não falou mais, apenas comeu o seu lanche e saiu de lá, em direção à sua casa.
 Segundos depois de ter chegado, a campainha dele tocou, mas como já sabia que se tratava de Dona Lúcia, simplesmente deixou que ela tocasse e foi se deitar.
 Depois desse dia, a vida de Aguinaldo parecia fazer mais sentido. Agora ele não era mais um solteirão desleixado que só trabalhava e farreava com os amigos. Ele sentiu a necessidade de um compromisso e estava disposto a dar tudo de si para conquistar Madalena.
 Um novo costume foi adicionado à rotina dele. Agora, todos os dias, ele fazia questão de passar na Lanchonete das Dores, apenas para ter aquela amável visão da única mulher que conseguiu fazer com que ele se interessasse em compreender melhor o comportamento humano e não só o dos computadores.
 Já no fim de setembro, Madalena não foi ao trabalho por dois dias. Logo a preocupação de Aguinaldo foi abalada. Ele procurou informações com o gerente, que era um bom amigo seu, porém, não conseguiu muita coisa. O gerente disse que eram “motivos pessoais”.
 Para a alegria do nosso amigo apaixonado, dois dias depois, lá estava ela novamente na Lanchonete. Madalena estava triste e para Aguinaldo, ainda era mais triste vê-la forçando sorrisos para falar com os clientes. Ela também já não estava usando o anel que havia mostrado.
 Todas as outras conversas entre os dois, foram tentativas más sucedidas de Aguinaldo para conseguir o telefone da moça, mas ela sempre o negava e respondia grosseiramente. Dessa vez, ele viu a oportunidade de um assunto e não hesitou em chamar a garçonete.
- O que aconteceu?! – ele perguntou.
- Terminei com o namorado.
- Nossa – ele disse, fingindo estar comovido com a notícia – Por que?
- Eu o peguei aos beijos com outra!
- Que idiota – ele comentou – Então...
- Não, eu não vou te dar meu telefone. – ela o antecipou, friamente.
- Se você me der uma chance, eu vou te provar que nós nascemos para ficarmos juntos.
- Se você me der alguns minutos, eu vou me lembrar em que caminhão eu vi essa frase... – ela novamente o respondeu sarcasticamente.
 Aguinaldo, dessa vez, saiu sem pedir nada. Apenas retirou-se e foi até o Restaurante dos Prazeres. Chegando lá, ele sentou-se em uma das cadeiras, chamou o garçom e fez o seu pedido.
 Quando nosso amigo achava que o dia não poderia ficar pior, Dona Lúcia entrou no restaurante e resolveu sentar-se logo na cadeira ao lado de Aguinaldo.
 Ela insistiu repetitivamente para o nosso amigo comprar um de seus produtos, até que ele, sem paciência e com o intuito de afastá-la, concordou finalmente e pagou por um de seus perfumes.
- O senhor não vai se arrepender! – ela disse, logo após levantou-se da cadeira e retirou-se.
 Aguinaldo era relativamente vaidoso, mas não ao ponto de usar perfumes em todas as ocasiões. Ele o guardou para usá-lo quando necessário.
 Alguns dias depois, Madalena arrumou um novo namorado, mas isso não abalou a personalidade dele. Ele continuou a passar todos os dias na lanchonete e continuou a chama-la para sair, apesar de que todas as suas tentativas eram malsucedidas.
 Após a sua última venda, não se viu sequer sinal de Dona Lúcia. Era como se ela tivesse desaparecido e isso, de certa forma, animava Aguinaldo.
 Na terceira semana de outubro, Madalena, novamente, faltou dois dias de trabalho. O gerente novamente dissera que ela estava afastada por “motivos pessoais”.
 Aguinaldo, então, não hesitou e preparou-se para o dia seguinte. Arrumou-se e usou o perfume que havia comprado. Na volta para a casa, depois de um dia cansativo de trabalho, lá estava ele na lanchonete, distraído no rosto triste de Madalena. Mas logo retomou-se e a chamou.
- Terminou com o namorado novamente?
- Sim – ela respondeu. Sua expressão de tristeza mudou instantaneamente ao chegar mais perto de Aguinaldo – Que fedor terrível é este?!
 Ele respirou fundo e sentiu um cheiro enjoativo de perfume.
- É mesmo, um fedor de perfume insuportável!
 Madalena passou a seguir o cheiro e ao chegar mais perto da camisa de Aguinaldo, ela decretou:
- Quem te vendeu esse perfume?! – Apesar de tentar manter uma relação de funcionário-cliente com Aguinaldo, já podia-se notar que ela o tratava como alguém bem mais próximo.
 Ele levantou-se indignado, saiu pela porta da lanchonete e foi diretamente para sua casa. Mais uma chance perdida. Já estava decepcionado até consigo mesmo, pois nas farras que costumava sair, nunca foi tão difícil conseguir a mulher desejada.
 Dias se passaram e adivinha quem arrumou outro namorado? Apenas para deixar claro: Madalena arrumou outro namorado. E digo mais, nós não somos os únicos a esperarmos que Madalena tenha finalmente tomado jeito e aprendido a escolher o seu companheiro. Toda a vizinhança esperava a mesma coisa! Todo mundo comentava, todo mundo reparava.
 Dessa vez, Madalena aparentava estar realmente feliz. Quem não estava feliz... Bem, Aguinaldo não estava feliz e para completar, Dona Lúcia, a mulher que vende “cosméticos estragados” apertou a campainha dele, depois de muito tempo sem o fazer.
- Bom dia, eu vim vender-lhe mais cosméticos!
- Dona Lúcia... – disse Aguinaldo, que atendeu a porta já com o perfume nas mãos – A senhora disse que eu não iria me arrepender... Pois bem, eu me arrependi! – ele gritou e logo após, jogou o perfume pela porta e a fechou na cara dela.
 Antes que ele desse meia volta, sua campainha tocou novamente e ele, inexplicavelmente tolerante, virou-se e a abriu.
- Mas dessa vez eu tenho novos produtos! – ela insistiu e tirou um frasco com creme de sua bolsa – Veja, esse creme de abacate é ótimo para hidratar a pele.
 Aguinaldo tomou o frasco da mão da senhora, retirou a tampa, tirou uma enorme porção de creme do frasco com a mão e a passou na camisa dela.
- Esses cremes não servem de nada mesmo! – ele gritou.
 Aguinaldo, deixando despertar sua fúria acumulada, devido aos acontecimentos anteriores, tomou a bolsa que estava pendurada no ombro da senhora e passou a desperdiçar todos os produtos ali ao ar livre. Dona Lúcia, indefesa, só podia olhar e ver os seus produtos sendo consumidos sem pagamento prévio – na verdade, sem sequer previsão de pagamento.
 Quando sua energia terminou, Aguinaldo finalmente pôs-se para dentro de casa e fechou a porta.
- Isso não vai ficar assim! – gritou Dona Lúcia do lado de fora, enquanto recolhia os frascos do chão.
 Como muito frequente nesse conto, o tempo passou. Aguinaldo continuava em sua saga, persistentemente. E o pior de tudo, é que aconteceu novamente, mas dessa vez, sem os dois dias seguidos de folga do trabalho. Madalena, novamente, demonstrou-se triste.
- Madalena... Isso é ridículo! – Aguinaldo exclamou.
- Eu também percebi isso – ela disse – E resolvi te dar uma chance.
 Finalmente, sua persistência valera a pena. Fisicamente, Aguinaldo apenas sorriu e marcou o horário e o local. Mas mentalmente, ele pulou de alegria diversas vezes e dançou todos os ritmos de música existentes.
 Na grande noite em que os dois iriam sair para o encontro oficial, Aguinaldo a esperou no Restaurante dos Prazeres. Esperou, esperou... Nada da mulher aparecer. Já estava imaginando que ela lhe havia pregado uma peça quando olhou para a televisão que ficava no canto do restaurante e viu a notícia de que acontecera um acidente na Rua Mastruz que envolvia uma moça chamada Madalena.
 Ele rapidamente correu até o lado de fora e por sorte, um taxi esperava outro rapaz na porta. Aguinaldo entrou nele e o pediu para que se dirigisse até o local do acidente. O taxista se negou, pois estava esperando outro senhor que o garantiu voltar a poucos minutos. Mas logo os princípios do taxista mudaram quando Aguinaldo ofereceu o dobro do dinheiro da viagem.
 Em menos de cinco minutos, eles haviam chegado no local e ao sair as pressas do carro, ele viu a figura de Madalena, deitada em uma maca dentro da ambulância. Havia faixas amarelas impedindo a aproximação de outras pessoas, mas ele simplesmente as ignorou e pulou sobre elas, em direção à ambulância.
 Ao chegar mais perto, teve a agonizante visão do seu amor, deitado na maca, naquele ambiente branco assustador. Médicos estavam tentando reanimar a moça que havia perdido a pulsação. Aguinaldo não podia fazer nada, a não ser observar os médicos aproximarem os desfibriladores ao corpo da mulher e vê-la contorcendo-se a cada tentativa.
 Os médicos tentaram diversas vezes. A cada tentativa, Aguinaldo ficava mais próximo de também ter uma parada cardíaca. Após sete tentativas frustrantes, os médicos decidiram que não havia mais nada a ser feito e marcaram o horário da morte da moça.
 Claro que para o nosso amigo insistente, sete vezes nunca seria suficiente. Ele correu para dentro da ambulância e logo, um enfermeiro que estava lá dentro o impediu. Já com a razão totalmente fora de si, Aguinaldo pegou o enfermeiro e jogou para fora do carro.
 Pessoas são imprevisíveis em situações emocionais. Isso é um fato. Mas ninguém nunca iria imaginar que aquele técnico em informática pudesse chegar tão longe. Ele pegou os desfibriladores e continuou com tentativas constrangedoras em reanimar a mulher. A ambulância já estava rodeada de policiais, apontando a arma para o rapaz, todos olhando o seu rosto vermelho e banhado em lágrimas, quando após a sua quinta tentativa, o corpo de Madalena, afogado nas lágrimas do rapaz, recuperou o seu fôlego e levantou-se abruptamente.
 Os policiais abaixaram as armas, os médicos esfregaram seus olhos, os curiosos tiraram seus chapéus e os religiosos levantaram suas mãos ao céu. Para os médicos fora um fenômeno muito raro, para os religiosos fora um milagre, para alguns outros fora o poder do amor.
 Madalena logo viu o rosto do rapaz cheio de lágrimas, com os aparelhos de choque nas mãos, olhando para ela com o rosto de bobo, como se ainda não acreditasse no que havia acabado de acontecer. Ela não pensou duas vezes, aproximou-se dele e ambos selaram seus primeiros beijos como casal. Algum tempo depois, ainda dentro da ambulância, porém, após ser tratada pelos médicos, ela deu seu celular para o seu novo namorado e pediu para que ele ligasse para a sua mãe e avisá-la que tudo estava bem.
- Claro! Qual é o número dela? – disse ele, bastante empolgado.
- Procura ai na agenda... Está escrito L. de Souza.
- L de...?
- Lúcia. – ela disse – Talvez você saiba quem é. Dona Lúcia, a vendedora de cosméticos.